domingo, 15 de janeiro de 2017

Jornais têm mais credibilidade, diz pesquisa

Por Erich Decat                          13/01/2017            O Estado de S. Paulo   

Levantamento encomendado pela Secretaria de Comunicação da Presidência ao Ibope aponta que o tipo de publicação está na liderança de confiança dos brasileiros como meio de comunicação; 59% dos entrevistados disseram que confiam sempre ou muitas vezes nas notícias publicadas em jornais


BRASÍLIA - A Pesquisa Brasileira de Mídia, encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência ao Ibope, aponta que os jornais impressos estão na liderança de confiança dos brasileiros como meio de comunicação. O porcentual dos entrevistados que disseram que confiam sempre ou muitas vezes nas notícias publicadas em jornais é de 59%. Rádio e televisão têm 57% e 54%, respectivamente.
O jornal O Estado de S. Paulo está entre os cinco mais mencionados pelos entrevistados de todo o Brasil.
Os entrevistados se dizem mais desconfiados, contudo, quando as informações são de sites, blogs e redes sociais. Em relação aos sites, 62% disseram confiar poucas vezes no que foi publicado. O índice é de 63% quando a plataforma é rede social e de 54% em relação a blogs.
A pesquisa mostra ainda que o tempo de leitura médio dos jornais impressos é de uma 1 hora e 10 minutos e, normalmente, assim como ocorre com as revistas, eles são comprados em banca, preferencialmente ao longo da semana.
TV. O levantamento aponta que a TV é o meio de comunicação mais acessado. Pouco mais de três quartos dos entrevistados veem televisão todos os dias. As emissoras da TV aberta são as mais assistidas, principalmente a Rede Globo.
Em relação a rádios, aproximadamente dois em cada três entrevistados afirmam ouvi-lo, sendo que quase a metade todos os dias. Não foi identificada a emissora de rádio de maior preferência do brasileiro.
Uso de mídia. A pesquisa encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência tem como objetivo conhecer como se informam os diversos segmentos socioeconômicos e as características de seus hábitos de uso de mídia. Os dados publicados agora pela secretaria são referente a agosto do ano passado. O tamanho total da amostra foi fixado em 15.050 entrevistas, em todo o País.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

O jornalismo é a âncora que separa a verdade do boato





ENTREVISTA: Rosental Calmon Alves

ESTADÃO CADERNO DE ECONOMIA 10/7/2016

‘O jornalismo é a âncora que separa a verdade do boato’

Para especialista, atividade se torna ainda mais importante na era da ‘hiperabundância de informação’
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Claudia Tozetto
09 Julho 2016 | 20h05




Depois de 27 anos como jornalista profissional, sendo 23 deles no Jornal do Brasil, Alves se mudou para Austin, no Texas, para iniciar sua carreira acadêmica nos EUA. Desde 2002, ele dirige o Knight Center for Journalism in the Americas, que oferece cursos pela internet para jornalistas em mais de 160 países.


Foto: Divulgação
'O jornalismo precisa estar onde as pessoas estão', diz Alves
Como o jornalismo online evoluiu nos últimos anos?
Sempre comparo o ecossistema midiático com o biológico. Durante anos, eu dizia que o ambiente midiático evoluiria de um ecossistema baseado na escassez para um ecossistema de uma floresta úmida, baseado na abundância. Isso já aconteceu: a revolução digital foi um dilúvio e os meios de comunicação estão evoluindo para se adaptar. Nós já temos um ecossistema midiático muito diferente de antes e as empresas tradicionais já deram e continuam dando muitos passos para se modificar.
Como o sr. vê o impacto das redes sociais no jornalismo?
A essa altura do campeonato, nenhum veículo de comunicação que se preze pode se dar ao luxo de ignorar ou menosprezar o fenômeno das redes sociais. Além disso, não se pode pensar nas redes sociais como um mero gerador de tráfego para os sites. Para o bem ou para o mal, está acontecendo uma concentração forte nas redes sociais, em especial no Facebook, e há vários fatores técnicos que justificam isso.
Quais são eles?
Existe atualmente um problema tecnológico na web. O Facebook se tornou tão rápido, que raramente um usuário que está navegando na rede social vai querer esperar mais do que três segundos para abrir uma notícia. Se não abrir, uma alta porcentagem desses usuários simplesmente desiste de acessar o site. Isso mostra que há uma barreira enorme entre a estrutura que o Facebook desenvolveu e a paralisia em que a web aberta se encontra.
Quais os reflexos disso para os veículos de comunicação?
O jornalismo precisa estar onde as pessoas estão. E os jornalistas precisam entender que não podem esperar que as pessoas venham até eles, uma lógica que imperou durante anos. Esse ecossistema novo é muito mais proativo. Se está todo mundo nas redes sociais, os veículos também tem que estar lá. Toda a organização jornalística que se preze tem uma operação séria nas redes sociais. Não é brincadeira de criança, como as pessoas pensavam. Isso passou.
Com a diversidade de plataformas e a quantidade cada vez maior de informações circulando nas redes sociais, qual deve ser o novo papel do jornalista?
A importância do jornalismo nesse ambiente de hiperabundância de informação é ainda maior. Você precisa do jornalista e dos meios de comunicação com credibilidade e princípios éticos. O jornalismo é uma espécie de âncora que separa o que é verdade do que é boato.
Como você vê o aumento da disseminação de notícias falsas nas redes sociais?
As pessoas estão passando por um período meio caótico de acreditar em bobagens. É incrível o número de pessoas em nosso círculo de amizades que acreditam em coisas absolutamente inverossímeis e as espalham num ato de irresponsabilidade. Mas as pessoas estão começando a se dar conta do perigo que são as notícias falsas. E muitos jornalistas e organizações jornalísticas estão desenvolvendo técnicas para desmentir boatos. Antes, havia uma hesitação dos jornais em desmentir notícias falsas, porque, ao fazer isso, poderiam espalhar ainda mais as dúvidas. Acho que estamos perdendo esse receio. Quando encontramos um boato na internet, os jornalistas têm de ser proativos e desmenti-lo.
Como o jornalismo de qualidade ajuda a mitigar esse perigo?
Nesse ambiente, o jornalismo de qualidade – baseado nos princípios éticos, na metodologia de apuração, na disciplina de verificação – só tem a ganhar. Uma boa parte das pessoas, quando está diante de uma notícia falsa, vai procurar um veículo de comunicação de credibilidade para verificar se é verdade ou não. Uma boa maneira de checar um boato, é ver se o Estadão ou outros veículos publicaram a notícia.
O que podemos esperar para o futuro do jornalismo?
É difícil prever, mas eu acho que o jornalismo vai continuar sendo um dos principais pilares de uma sociedade democrática, livre e aberta. O problema é como esse jornalismo vai se pagar, ou seja, como vamos criar modelos de negócio que possam financiar a existência desse profissional. Teremos sucesso garantido na medida em que continuamos a ser úteis. Como estamos numa era de hiperabundância de informação, é preciso acompanhar as mudanças de hábito e ir aonde as pessoas estão. Não interessa a plataforma: o importante é que o jornalismo exerça um papel relevante na vida das pessoas. 


sábado, 2 de julho de 2016

Gestão de marca em tempo de crise

Estadão  - 30/06/2016

Por Elizete de Azevedo Kreutz


Se a marca é uma representação simbólica multissensorial, ela jamais deve deixar de relacionar-se com os seus públicos, mesmo em épocas de instabilidade
O cenário das marcas muda constantemente em função dos avanços tecnológicos, das crises ou bonanças econômicas, acontecimentos sociais, entre outros. Esses fatos modificam o contexto e, como consequência, o comportamento dos públicos, que são a razão de existir de uma marca. As marcas são formas simbólicas que interagem com seus públicos para conquistá-los. Essa interação pode variar de intensidade de acordo com o posicionamento da marca, as características dos públicos e da sociedade em que está inserida, bem como os meios técnicos de produção e transmissão das mensagens.
Uma marca poderá evocar lembranças e provocar a emoção, mantendo uma relação mais afetiva e duradoura com seu público, permitindo que este tenha um vínculo sentimental com ela, identificando-se com ela. Porém, isso só será possível se o seu discurso for construído de forma coerente, pois a marca é a representação percebida e fixada na mente dos públicos, por meio de suas experiências com ela, que combinadas de forma holística constroem a sua imagem-conceito.
Saber o que é mais valioso para a sociedade e para os públicos é fundamental para as ações da marca, e essas informações são obtidas por meio das pesquisas (brand research). Contudo, quando uma pesquisa detectar valores que não fazem parte da essência/posicionamento da marca, esta não poderá fazer uso em suas estratégias, posto que não seria verdadeiro nem ético. Um exemplo: a marca verde (green brand). Muitas marcas usaram esse apelo apenas como maquiagem (greenwash), mas não convencerão os públicos por muito tempo e, no final, o que era para ser positivo para marca, torna-se negativo, perdendo a confiança do público. O mesmo vale para as marcas que se dizem sustentáveis, comprometidas, responsáveis... Não basta dizer, é preciso fazer para que as pessoas acreditem de fato. E a esse conjunto de atos sociais chamamos de Discurso Multimodal da Marca. Em todos seus pontos de contato com seus públicos, da identidade visual ao telefonema, a marca deverá atuar com coerência.
Isso não significa que ela deverá ser sempre igual, fixa, rígida. Ao contrário, pois se assim for, perderá o interesse de seus públicos, que estão cada vez mais ávidos pelo novo, pela interação com a marca. Um bom exemplo disso é a estratégia das Marcas Mutantes, que é uma prática contemporânea e que tem sido usada por diversas empresas. A proposta é fazer uso da multimodalidade, buscando experiências multissensoriais, pois a emoção é o vínculo com seus públicos, e vice-versa, e sua imagem-conceito será construída por seu discurso multimodal coerente, que tem como base o imaginário coletivo.
Se a marca é uma representação simbólica multissensorial, cujos significados são construídos socialmente por meio de seu discurso multimodal, ela jamais deve deixar de relacionar-se com os seus públicos, ainda que em épocas de crise. Se a marca é uma representação simbólica multissensorial, cujos significados são construídos socialmente por meio de seu discurso multimodal, ela jamais deve deixar de relacionar-se com os seus públicos, ainda que em épocas de crise.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Jornalista gente grande

Leia Mais:http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,jornalista-gente-grande,10000025672
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Aos 9 anos de idade, ela cobriu um assassinato. E passou um sabão em quem a criticou: “Em primeiro lugar, sou uma repórter”

Em época de disrupção no jornalismo, mudanças na sua cadeia de produção, derretimento de publicações mundo afora e incerteza sobre o futuro da profissão, eu tenho o prazer de dizer que há esperança. A semana passada viu surgir uma jornalista de faro apurado e inegável capacidade competitiva. Olhe que história boa. Seu nome é Hilde Kate Lysiak. Ela tem nove anos e mora em Selinsgrove, uma pequena cidade de cinco mil habitantes na Pensilvânia, no Leste dos Estados Unidos. Hilde foi notícia em jornais pelo mundo afora e personagem polêmica nas redes sociais, em especial no Canadá, Nova Zelândia, Estados Unidos, Hong Kong e Austrália, conforme o interesse por ela registrado no Google Trends. Não por acaso, seu pai é jornalista, além de escritor e dramaturgo, Matthew Lysiak, colaborador do New York Daily News e da revista Newsweek. Um de seus livros, Breakthrough, trata do cientista adolescente Thomas Andraka com um subtítulo revelador: “Como um adolescente inovador está mudando o mundo”. O próximo livro talvez retrate o fenômeno doméstico e lhe cairia muito bem um título do tipo: “Como uma garotinha de nove anos faz renascer o jornalismo”. Hilde tinha sete anos quando começou a fazer um jornalzinho caseiro com giz de cera, informa a BBC. Aos oito já estava na internet com o site que acabou famoso com o nome de sua rua, Orange Street News, implantado em WordPress, uma plataforma que facilita ao máximo a criação de um site na web. As edições começaram aleatórias, atualizadas com intervalos semanais ou mensais, e agora são diárias – há dias com mais de uma atualização. Hilde explicou a que veio na segunda edição do site: “Eu acredito que as pessoas precisam saber o que está acontecendo nas redondezas da rua Orange”. A popularidade instantânea veio na cola da informação de uma fonte segundo a qual um crime havia acontecido perto da casa de Hilde. Ela se bandeou para lá, entrevistou os vizinhos, conversou sem muito sucesso com a polícia, gravou um vídeo e publicou no site em 2 de abril: “Exclusivo: assassinato na rua Nove”. Os veículos “profissionais” chegaram na cena do crime bem depois. Foi uma comoção, e não só em Selinsgrove. Nas redes, a estupefação se traduzia nos seguintes questionamentos e afirmações: pode uma menina de nove anos tratar de um crime? Por que seu pai não a coloca no seu devido lugar? Hilde deveria era estar brincando de boneca. Com uma disposição incomparável, ela se pôs diante da câmera da irmã de 12 anos, Isabel, e leu e respondeu a várias das críticas recebidas via internet. E explicou mais, em artigo ao jornal The Guardian: “Minha história se tornou viral nesta semana, quando eu respondi a habitantes da minha cidade que ficaram chateados porque eu estava relatando um crime grave, ao invés de fazer – bem, tudo aquilo que eles pensam que meninas de nove anos de idade deveriam estar fazendo. (...) Com meu trabalho, eu fui capaz de manter o povo de Selinsgrove informado sobre este importante evento horas antes da minha concorrência chegar à cena”. E ainda passou uma compostura nos competidores: “Descobri que a polícia pediu às publicações para não publicar a história. Eu posso ter só nove anos, mas eu aprendi que o meu emprego como repórter é obter a verdade para o povo. Eu trabalho para ele, não trabalho para a polícia.” Ela quer ser levada a sério e acha que as crianças devem saber que, se trabalharem duro no que acreditam, podem fazer coisas incríveis. Traz consigo o que a gente pode chamar de vocação. Denota uma inclinação natural para apurar e contar histórias, componente imprescindível na composição de um bom jornalista. É evidente que a figura paterna tem responsabilidade no caso. Matthew costuma levar a filha para o trabalho, onde ela provavelmente se inspira. Mas impressiona como Hilde adapta o arsenal do ofício para o meio digital e age com desenvoltura, principalmente nos vídeos. “Sim, eu sou uma menina de nove anos de idade. Mas eu sou uma repórter, em primeiro lugar”. Como o ofício do jornalismo digital não se resume apenas ao site, sua página no Facebook, na sexta-feira, contava com quase 16 mil seguidores – e crescia rapidamente. Eram pouco mais de 11 mil na quinta-feira, número pequeno no Facebook, mas o dobro da população de sua cidade. Hilde ainda não domina as melhores práticas do ofício – a rusticidade do site, o pouco cuidado com as boas práticas nas postagens no Facebook, por exemplo, mostram isso. Mas o fato é que o engatinhar da forma fica para trás quando se vê as centenas de mensagens de várias partes do mundo na sua página. Recebeu convites para entrevistas do Canadá e da Itália, teve congratulações da França e da Austrália. Escreveu no Guardian, saiu na BBC. Ela ficou mais importante do que a notícia que deu. Se continuará uma boa jornalista quando crescer, ninguém sabe. No entanto, a pequena Hilde chamou atenção para uma profissão que, a cada dia que passa, perde um pouco do seu glamour. Ela virou exemplo de otimismo para um jornalismo que vira e mexe se lamuria em relação à superficialidade das redes sociais, condena a profusão de informações, reclama da falta de recursos para investigar, não se conforma de ter perdido o papel de ator principal da notícia e se coloca como vítima dos tempos.

terça-feira, 8 de março de 2016

Vazamento é a mãe

EUGÊNIO BUCCI - Caderno Aliás - O Estado de S. Paulo 6 de março 2016

No detalhe do detalhe, o espírito da coisa toda. Você pode achar que a compreensão que as autoridades têm – ou não têm – da palavra “vazamento” é um mero e insignificante detalhe no meio dessa confusão convulsionada em que se converteu o País. Você pode achar que, enquanto as paredes da República despencam sobre cabeças ocas, ninguém vai querer se ocupar dos significados desse termo, “vazamento”. Qual a relevância disso? De fato, há temas bem mais urgentes, mais vitais, a merecer a atenção da cidadania. No entanto, os detalhes...

 Este detalhe, por exemplo: o sentido da palavra “vazamento”. Se olharmos bem para esse mínimo detalhe, veremos que aí repousa, intacto, o espírito da coisa toda. O que é que o governo federal pensa sobre a imprensa? A resposta não está nos grandes movimentos, nas solenidades pomposas, nas performances midiáticas, desde as mais espetaculosas até as mais desastradas. Quem quer entender o que vai na cabeça dos estrategistas do Planalto sobre imprensa não deve se iludir com o jogo de cena das gravatas e dos tailleurs – deve seguir a trilha da palavra “vazamento”. 

Vamos atrás dessa trilha. Depois que a revista semanal Isto É foi às bancas na quinta­feira com os termos da delação premiada do senador petista Delcídio Amaral, ex­líder do governo no Senado, autoridades federais das mais altas patentes iniciaram sua pregação contra o “vazamento”. Na visão delas, o que sai na imprensa sobre a corrupção praticada por réus mais ou menos ligados ao governo não decorrem do trabalho de reportagem, de esforço de apuração, do talento e da determinação de profissionais maduros. Tudo resulta daquilo que servidores da Polícia Federal, do Ministério Público ou do Judiciário “vazam” com as piores intenções deste mundo.

 Na visão dos adeptos desse discurso fanatizante do governo federal, repórteres apenas recebem passivamente o “vazamento” e depois vão cuidar de estampá-­lo nos jornais, com espalhafato e sensacionalismo, sem pensar nas consequências. Para as autoridades federais, jornalistas não investigam, não pesquisam, não entrevistam, não raciocinam, não escolhem, não hierarquizam as informações que publicam. Na narrativa oficial do Palácio do Planalto, que agora elegeu a entidade do “vazamento” como a grande culpada pela crise brasileira, a imprensa não passa de uma central de “office boys” a serviço da intriga, um bando de moleques de recados, um correio deselegante sem discernimento crítico e sem responsabilidade social. É assim que, quando falam em “vazamento”, essas autoridades ofendem o jornalismo.

Um bom exemplo dessa mentalidade pode ser encontrado na nota oficial da Presidente da República divulgada na quinta­-feira. Vamos ao texto: “Os vazamentos apócrifos, seletivos e ilegais devem ser repudiados e ter sua origem rigorosamente apurada, já que ferem a lei, a justiça e a verdade. Se há delação premiada homologada e devidamente autorizada, é justo e legítimo que seu teor seja do conhecimento da sociedade.

No entanto, repito, é necessária a autorização do poder Judiciário. Repudiamos, em nome do Estado Democrático de Direito, o uso abusivo de vazamentos como arma política. Esses expedientes não contribuem para a estabilidade do País.”

Francamente, as recentes declarações presidenciais sobre “mulher sapiens” e “pernilonga” eram mais inteligentes. Há mais fundamento científico no conceito de “pernilonga” do que há conhecimento sobre a história da imprensa na democracia nas considerações que ela assinou sobre os “vazamentos”. 

Não há dúvida de que um agente policial que entrega a um repórter um documento sigiloso da instituição em que trabalha incorre numa prática irregular ou mesmo criminosa (quando essa conduta corresponde a um tipo penal devidamente descrito na lei). Um segredo policial deve ser guardado pelos funcionários públicos que trabalham com ele. Do mesmo modo, um segredo de Justiça deve ser mantido em sigilo por aqueles que, no poder Judiciário, dele se ocupam. Segredos de Estado, sob guarda do Executivo, são resguardados por mecanismos institucionais análogos. Quando um servidor do Estado, em qualquer esfera estatal, comete o deslize de contrabandear uma informação sigilosa a ele confiada, seu ato deve ser investigado, julgado e, se condenado, punido. Até aí, estamos todos de acordo.

O problema começa quando estendemos o mesmo raciocínio para enquadrar os repórteres. Não dá certo. Essa lógica, que vale para o servidor público encarregado de tomar conta de segredos legalmente definidos como segredos, não vale para a imprensa. Ao contrário: se é papel do agente público zelar pela proteção de um ou outro sigilo, o papel da imprensa é o oposto. Ela deve – no sentido de ter o dever de – ficar de olho no poder e trabalhar para descobrir os segredos do poder. Ao descobri-­los, deve avaliar a necessidade e a pertinência de torná-­los públicos. Eis aí o núcleo do trabalho mais essencial da instituição da imprensa livre. O que é uma notícia senão um segredo revelado?

Até podemos chamar de “vazamento” a informação sigilosa que desliza, por algum motivo, para fora do âmbito de controle do poder, mas não podemos chamar de “vazamento” uma reportagem, mesmo que, para a realização dessa reportagem, possa ter sido usado o conteúdo informativo de um “vazamento”. O nome de reportagem é reportagem. Chamá-­la de vazamento é injuriá­-la. Reportagem é fruto do trabalho de repórteres. “Vazamento” é um conceito hidráulico que designa também o movimento da informação que escapa clandestinamente de uma esfera encarregada de mantê­-la para um domínio ao qual ela não estava originalmente destinada. Chamar de “vazamento” uma reportagem para a qual contribuíram diversas equipes de profissionais é desqualificar e desrespeitar essas equipes. Quem insiste em chamar o trabalho da imprensa de colagem de vazamentos está interessado em confundir a opinião pública.

Não é só isso, infelizmente. Olhemos a questão com um pouco mais de detalhismo. O que é que a presidente quer dizer com “uso abusivo de vazamentos como arma política”? Ela por acaso acredita que alguma grande reportagem, grande no melhor sentido da palavra, uma reportagem que tenha ferido o nervo do poder, não contou com informações cedidas por pessoas ou grupos que tinham o objetivo de derrotar os interesses de outras pessoas e outros grupos, usando a informação como “arma política”? Escolha uma grande cobertura, qualquer uma, e você verá que a resposta é não. É sempre não.

Podemos pensar na sequência de boas reportagens (de vários órgãos de imprensa) que, em 1992, culminou com o afastamento do então presidente da República Fernando Collor de Mello. Em 1992, Pedro Collor, irmão do então chefe de Estado, deu sua famosa entrevista à revista Veja em que acusava o presidente de usar o tesoureiro de sua campanha como testa de ferro, além de outros abusos. Como Pedro Collor não provava nada, absolutamente nada do que dizia (e muitos dos que hoje querem expulsar Delcídio do PT aplaudiam de pé a revista que o entrevistou), é o caso de perguntar: ele não estava em guerra aberta contra o irmão? Não estava usando suas declarações como “arma política”? Mudemos agora de país sem mudar de assunto. Será que o “Garganta Profunda”, a fonte que abasteceu Bob Woodward, do Washington Post, com pistas mais que privilegiadas sobre o escândalo de Watergate, no início dos anos 70, não estava usando e abusando de “vazamentos como arma política”? Estava, sim senhor. Nixon teve de renunciar em 1974, sem que fosse revelada a identidade daquela fonte fundamental. Somente três décadas depois é que se soube: “Garganta Profunda” era William Mark Felt, nada menos que o número 2 do FBI no governo Nixon. Ele só falou o que falou porque se ressentiu de não ter sido promovido a número 1.

Existe alguma fonte decisiva, em alguma cobertura decisiva, que fira o poder de verdade, que não esteja em guerra contra alguém? Existe alguma fonte só com boas intenções? Claro que não. No entanto, Dilma Rousseff e seus porta-­vozes querem levar o Brasil inteiro a acreditar que sim. 


Segundo a narrativa palaciana, os jornalistas só fazem aquilo que o poder Judiciário autoriza e só escutam fontes que não usam suas informações como “arma política”. Na vida real das democracias, o ideal do jornalismo é o contrário. Jornalistas entrevistam gente descontente, gente que se sentiu ultrajada, gente com sede de vingança. O papel do jornalista é ouvir, com atenção absoluta, e então separar o que é rancor e ódio do que é de genuíno interesse público. Esse julgamento – que não é simples de fazer, e que o Judiciário é incompetente para fazer, em todos os sentidos – é o julgamento que só a imprensa pode fazer.

A sociedade livre precisa da imprensa porque só ela, só a imprensa, vai bulir com o que o poder prefere esconder e, depois, vai contar tudo (o que seja de interesse público) para todo mundo. Sem a profissão de jornalista, o totalitarismo triunfaria, seja sob Nixon, sob Collor ou sob Dilma. A sociedade precisa da imprensa porque só a imprensa tem compromisso não com os segredos do poder, mas com o direito à informação do cidadão. No dia em que abaixar a cabeça para os critérios editoriais de magistrados ou para as teorias jornalísticas desse pessoal que anda em Brasília, a imprensa terá morrido. 

Você pode dizer que jornalistas erram, e terá razão. Todo tipo de agressão, desgraçadamente, é perpetrada em nome do direito de informar. Há páginas de vergonha na imprensa brasileira, e não são poucas. Mas não caiamos na ilusão de que o caminho para o bom jornalismo está na obediência à autoridade. Por melhor que esta seja. É graças ao jornalismo livre, por pior ele tenha sido, que os cidadãos têm conseguido saber sobre os crimes dos poderosos. É graças aos vazamentos e, ainda mais, graças a alguns jornalistas excepcionalmente bons, que não se curvam. 


EUGÊNIO BUCCI É JORNALISTA, PROFESSOR DA USP E ARTICULISTA DA PÁGINA 2 DO ESTADO 
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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Fascínio do jornalismo

*Carlos Alberto Di Franco - O Globo - 12/10/2015


As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os sensíveis radares dos leitores. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que conspiram contra a credibilidade dos jornais.
Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Transmite, num solene tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem.
Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são robôs. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta.
Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas.


O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla, talvez compreensível e legítima nos anos sombrios da ditadura, mas que, agora, tem a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas.
A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história.
É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos arautos das ideologias.
A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade da informação. A manchete de impacto, oposta ao fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor a sensação de uma fraude.
Mesmo assim, os jornais têm prestado um magnífico serviço no combate à corrupção. Alguém imagina que a cascata de denúncias e prisões teria ocorrido sem uma imprensa independente? Jornais de credibilidade oxigenam a democracia.
O leitor que precisamos conquistar não quer o que pode conseguir na TV ou na internet. Ele quer algo mais. Quer o texto elegante, a matéria aprofundada, a análise que o ajude, efetivamente, a tomar decisões. Conquistar leitores é um desafio formidável. Reclama realismo, ética e qualidade.


Uma imprensa ética sabe reconhecer seus erros. As palavras podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar soluções. Mas podem também esquartejar reputações, desinformar. Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade.
O jornalismo tropeça em armadilhas. Nossa profissão enfrenta desafios, dificuldades e riscos sem fim. E é aí que mora o fascínio.

*Carlos Alberto Di Franco é jornalista


Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/fascinio-do-jornalismo-17744010#ixzz3oZWrhf4I 

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Um doutor cheio de amor




RIO — Uma consulta com quatro horas de duração, na qual o paciente é indagado sobre seus hobbies, os detalhes de sua relação amorosa e até a maneira como beija seu companheiro. O médico quer saber como anda sua vida e, se para além dos problemas físicos, você está bem consigo mesmo. Durante o atendimento, as únicas regras são o amor e o cuidado com o outro. Essa “consulta dos sonhos” diz muito sobre a maneira como Patch Adams entende a medicina. Interpretado no cinema pelo ator Robin Williams no filme “Patch Adams: o amor é contagioso,” o médico americano é famoso por adotar uma metodologia de trabalho voltada para a humanização da medicina. Em visita ao Rio para uma palestra intitulada “A alegria do Cuidar”, o oncologista pediatra contou casos, criticou o sistema de saúde americano e a formação nas universidades mundo afora. Ele também pediu que os médicos usem a criatividade para universalizar o acesso à saúde.
— Você não pode se tornar um médico em poucos minutos. Decidi que passaria quatro horas com os novos pacientes. Você escolhe quem vai ser, e eu decidi ser criativo, carinhoso. Na História, nunca houve nenhum estudo mostrando que ser sério, violento e rude é bom. Milhares de artigos falam do valor de ser amoroso. É bom para o sistema imunológico — contou Patch Adams a uma plateia composta por diversas faixas etárias, lembrando que a imensa maioria de seus professores universitários eram arrogantes e tratavam mal os pacientes.

Com o cabelo metade branco e metade azul caindo pelas costas e trajando roupas extravagantes como as usadas pelos palhaços de circo, o médico pediu que os profissionais sejam criativos para promover o acesso à saúde de maneira igualitária.
— Quando vejo um médico que, em vez de querer ganhar muito dinheiro, quer trabalhar em uma favela, vejo que ele tem uma inspiração heroica. Se você se sente herói é muito difícil se esgotar. Se tivermos cuidado suficiente, não teremos guerra na Humanidade. Como podemos dar um cuidado para alguém de uma favela da mesma maneira que é dado para alguém que mora na orla da praia? É necessário muita criatividade — defendeu.
Nas horas em que se dedicou a falar ao público, ele fez rir e chorar, mas também sorriu e se emocionou. Patch Adams criticou o fato de os hospitais serem lugares tristes.
— Não há um único hospital feliz no mundo inteiro. E por quê? — perguntou, aproveitando para convidar os presentes para para uma “revolução” enquanto comentava a situação da saúde em seu próprio país. — O sistema de saúde dos Estados Unidos é uma vergonha. Os planos dão ordem aos médicos. Como podemos, assim, ter um hospital onde o amor faça parte do contexto?
O espaço reservado para o amor no ambiente hospitalar também é uma preocupação no Instituto Nacional do Câncer (Inca), referência no tratamento da doença no Brasil. Com uma área dedicada aos programas de voluntariado, o instituto aposta na atenção e no carinho como agentes potencializadores da recuperação dos pacientes, como explica Angélica Nasser, supervisora do Inca-voluntário, presente na palestra de Patch Adams.

A explicação para que os pacientes se sintam mais felizes, mesmo em situações de sofrimento, segundo Patch Adams, é simples.
— O mundo inteiro é seu quando se tem amor.