sábado, 11 de dezembro de 2010

OS CONFLITOS DE LULA

Por Merval Pereira - "O Globo", 11/12/2010


O presidente Lula está exibindo em público seus conflitos internos à medida que a hora de deixar o poder se aproxima. Desde que Dilma Rousseff saiu do ministério para dar início à campanha eleitoral como candidata a Presidente, e mesmo depois de sua eleição, Lula vem enviando a mensagem, através de gestos e atos, de que não quer deixar o protagonismo político.

Ora surge no noticiário a revelação de que, conversando com um assessor, diz que gostaria que não chegasse o dia em que terá que deixar o cargo; ora ele mesmo brinca em público sobre o fim do mandato.

Um das características do presidente Lula é ser espontâneo no seu relacionamento com o público, revela suas emoções e se torna um íntimo dos eleitores.

E ele está fazendo questão de não esconder a dificuldade com que está lidando com a perspectiva do fim do poder, a ponto de precisar reafirmar sua ascendência sobre a presidente eleita forçando a indicação de ministros – foi o que fez com o ministro da educação Fernando Haddad e com a ministra do meio-ambiente Izabella Teixeira – ou de interferir nas decisões do futuro governo, como no caso da desautorização pública nos cortes do PAC.

Esses são sintomas de que Lula não se adaptará à vida longe da presidência da República, ou de que pretende exercer uma interferência aberta no governo Dilma Rousseff ?

Será que Lula sofrerá da “síndrome de abstinência” longe do poder ou, mais ainda, Lula ficará longe do poder ?

Três especialistas não em política, mas nos segredos da alma humana, analisaram para a coluna as reações do presidente Lula e o que elas podem sinalizar.

O psicanalista Joel Birman acha que o sucesso obtido no governo, e o consequente alto nível de aprovação por parte da população, deu ao Lula um sentimento de satisfação imenso. “Ele tem um nível de felicidade no exercício do poder que poucos políticos têm, de forma que a perda disso é difícil”.

Para Birman, Lula vai ter que ter um “trabalho de luto”. “É como quando morre alguém querido, você tem que enterrar, tem o tempo de tristeza. O Lula está vivendo isso por antecipação, de uma certa maneira ele está prevendo, está calculando o que vai acontecer daqui a vinte e poucos dias”, avalia.

Já o psicanalista Chaim Samuel Katz diz que “todo mundo que sai do centro do poder sofre naquilo que chamamos de narcisismo. E o dele foi alimentado pelo povo de modo muito muito forte”.

Mas, para Chaim, Lula não vai perder poder, vai se recompor e continuará a dar ordens de modo indireto.

O analista Fábio Lacombe considera que Lula, “com toda sua espeteza política, é capaz de perceber que pode ser inadequado levar o narcisismo dele às raias do insuportável”.

Ele ressalta, porém, que “muitos dos atos dele sugerem que vai ser muito difícil não ficar nesse primeiro plano. Ele não vai ter mais em cima dele toda a midia, e aí é o difícil”.

Essa dificuldade também prevê Joel Birman, para quem Lula “vai ter a experiência de perda, de um dia para o outro ele não vai poder exercer o que faz com satisfação”. Lula já disse que sentirá falta “dos microfones”, e, para Birman, o fato de ele estar falando isso com uma certa liberdade é bom, “é sinal de que ele está de certa maneira se antecipando ao que vai acontecer. Quer dizer que ele está elaborando isso”.

Já Chaim Katz acha que é preciso considerar que “há também um certo charme da parte dele”. Para ele, esse é um jeito que faz Lula muito popular. “Para um grupo mais intelectualizado pode parecer que ele está sofrendo, mas para o povo isso parece uma afirmação gozosa do tipo que a gente faz só numa intimidade que domina”, comenta.

O comentário de que vai ficar três meses calado quando sair da Presidência, para só depois falar como ex-presidente, é entendido por Birman como “uma proposta do tempo para fazer o “trabalho do luto”.

O psicanalista vê na “ambiguidade entre o luto inequívoco e inevitável, e o desejo de querer continuar governando” a explicitação da “gratificação imensa” que o exercício da presidência deu para ele.

O que ele está fazendo no fim do mandato, ampliando suas participações públicas, seria uma maneira de criar um clima de festa na despedida, diz Birman. “Quando a possibilidade da perda se anuncia, alimentar o clima de festa é alimentar um momento de embriaguez, uma maneira de ele se contrapor à perda que está se anunciando”.

O analista Fabio Lacombe acha que vivemos num ambiente que privilegia basicamente o registro do imaginário, um dos três registros da existência humana, sendo os outros dois o simbólico e o real, e “só o simbólico é verdadeiramente capaz de acessar o real”.

E Lula, diz Lacombe, se tornou “um mestre” na manipulação imaginária. “O imaginário é o mais primitivo dos registros, principalmente por que ele se quer real. O sujeito vive a imagem como real. Para que ele possa sustentar essa posição ele precisa evitar o simbólico, aquilo que faz o ser humano pensar”, analisa.

Para ele, a nossa política, e talvez não só a nossa, “está totalmente açambarcada por essa voragem do imaginário”.

A liderança de Lula, o que ele tem de excelência, é exatamente aquilo que traduz a precariedade da nossa realidade política, analisa Lacombe.

“Ele é um espelho dessa precariedade, passa a ser o grande representante da precariedade da política, não há a possibilidade do favorecimento de um verdadeiro pensamento. Só faz um jogo imagético”.

É preciso perguntar o que existe em termos simbólicos, verdadeiros, nesses níveis de popularidade. O que esses índices representam em termos de verdade?, questiona Fábio Lacombe. ( Amanhã, Lula o pai)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A BUSCA DA VERDADE

De Lula na semana passada: "Os meios de comunicação confundem crítica com o cerceamento da liberdade de imprensa. É a coisa mais absurda e pobre do ponto de vista teórico alguém achar que não pode receber crítica. Nunca pedi para ninguém falar bem de mim, nunca pedi para fazer matéria falando bem de mim. Só quero que me falem a verdade”.




O que é a verdade? A definição mais simples: é o que está de acordo com os fatos ou a realidade. Se digo que o vice-presidente José Alencar está muito doente, digo uma verdade. Incontestável. Digo outra se afirmo que o governo Lula chegará ao fim com um extraordinário índice de aprovação, o mais alto dos últimos 50 anos, pelo menos.



Por que não devo dizer o mais alto de todos os tempos? Porque há 60 ou 70 anos não se avaliava o desempenho dos governos com a regularidade e o rigor de hoje.



Estar de “acordo com os fatos ou a realidade” requer precisão. Lula e seus porta-vozes abusaram e ainda abusam da imprecisão quando a tudo aplicam a fórmula genérica do “nunca antes na história deste país...”



Se digo que Lula sabia da existência do mensalão antes que ela fosse denunciada pelo ex-deputado Roberto Jefferson, posso não estar dizendo uma verdade incontestável – Lula jamais o admitiu. Nem foram recolhidas evidências de sobra de que ele de fato soubesse. Mas posso não estar mentindo. A verdade é também uma questão de julgamento relativo.



Como funcionaria dentro do governo, com ramificações em gabinetes a poucos metros do gabinete presidencial, uma “sofisticada organização criminosa” que tentou se “apoderar de parte do aparelho do Estado” - e Lula simplesmente não fazer a mínima idéia disso?



O mensalão não se limitou ao pagamento de propinas a deputados. Serviu para animá-los a trocarem de partido. E a partidos a trocarem de lado.



Em um apartamento de Brasília, antes de se eleger presidente em 2002, Lula assistiu à compra pelo PT do passe do PL do deputado Valdemar Costa Neto (SP). Custou mais de R$ 6 milhões. Na ocasião, junto com ele, estavam Alencar, José Dirceu e Delúbio Soares.



Foi o então governador Marconi Perilo, de Goiás, quem primeiro falou com Lula sobre o esquema de suborno de deputados. Ele não reagiu.



Dirceu repetiu mais de uma vez antes e depois de ter sido despejado do governo: "Nada fiz à frente do PT ou como ministro da Casa Civil que Lula não estivesse informado". Não foi desmentido por Lula nem por ninguém. Dirceu é um dos 40 denunciados no Caso do Mensalão. E então: posso afirmar com razoável margem de acerto que Lula sabia de tudo?



Se ele pode dizer que a história do mensalão não passou de uma tentativa de golpe contra seu governo, encontro mais amparo na realidade para afirmar que ele sabia, sim, do mensalão. Baseio-me em fatos, em antecedentes e em deduções óbvias. Ele, apenas em sua imaginação. O que fez mesmo a oposição para derrubá-lo? Via Aécio Neves, conspirou para que ficasse no cargo.



Quando em apuros, autoridades em geral costumam exigir que a imprensa só publique a verdade, nada mais que a verdade, como se assim pudessem ser beneficiadas. Mas na maioria das vezes são elas próprias que fabricam falsas verdades para encobrir verdades incômodas. Ou são elas que transfiguram verdades a ponto de torná-las irreconhecíveis.



Isso está longe de significar que a imprensa, por má fé ou erro, não publique mentiras. Por si só é o que basta para lhe causar grande dano, atingindo-a no seu patrimônio mais precioso - a credibilidade. Porque se o público começa a duvidar do que escrevo, para isso não presto mais.



Ele costuma ser mais condescendente com político que mente do que com jornalista. Deveria ser impiedoso com ambos.



Lula acerta quando diz que a crítica à imprensa nada tem a ver com restrições à liberdade de informar. Quanto à busca pela verdade, digo que ela não deveria ser apanágio apenas da imprensa ou da ciência.

Fonte: Blog do Noblat - 6/12/2010