sexta-feira, 3 de outubro de 2014

"Quando todos falam, ninguém fala"

Entrevista a : Bolívar Torres


“Sou especialista em mídia, autor de mais de 30 livros, traduzido em cerca de 20 línguas. Em 1988, fundei a “Hermès”, uma revista dedicada ao estudo interdisciplinar da comunicação e sua relação com os indivíduos. O que me interessa é entender como a comunicação media conflitos e possibilita a convivência”

Conte algo que eu não sei.

Este século vive um paradoxo: mesmo considerada uma aspiração universal, a comunicação foi reduzida a ferramentas técnicas, como a rádio, a televisão e principalmente a internet. Os estudos sobre o assunto só falam em internet, mídia digital, redes sociais... Tudo bem, mas e depois? Em algum momento temos que desligar o computador e conversar com alguém. É aí que começa o desafio da comunicação humana, que é muito mais difícil do que a comunicação técnica.

Por que esta dificuldade?

Na vida, estamos quase sempre em desacordo. A todo momento nos esforçamos para não brigar. A comunicação é uma forma de negociar nossas diferenças, de coabitar, e por isso é que é uma questão, antes de tudo, humana e política, não apenas técnica. Vale para um relacionamento amoroso, para uma família, para uma empresa, para um país. Os candidatos da eleição presidencial brasileira, por exemplo, estão preocupados em reunir pessoas que pensam diferente, e este é um esforço essencial de comunicação política. O mesmo acontece com a paz civil, que significa: “não concordamos em nada, mas não vamos nos matar, vamos coabitar”.

O mundo está sobrecarregado de informação, mas não consegue comunicar?

Adoramos a informação, mas não valorizamos a comunicação. A informação é fácil, porque é a mensagem; a comunicação é muito mais complicada e frustrante porque é a relação, é o outro. O pensamento mundial dominante quer apenas multiplicar as redes e enviar cada vez mais informação, como se isso fosse resolver todas as dificuldades da comunicação. Só que transmitir não é comunicar.

Quais são os limites da técnica?

Os computadores, a internet e as demais ferramentas são muito úteis, mas a ideia de que podemos eliminar a complexidade da comunicação humana pela performance da comunicação técnica é ingênua. Justamente por ser formidável, a técnica nos ilude. Graças a ela, nosso mundo está aberto e interativo.

E o que é ilusório nisso?

É que não temos nada a nos dizer, porque quando todos falam, ninguém fala. Para que as pessoas coabitem de forma razoável, não basta conectá-las em redes. Pensava-se que haveria mais tolerância se nos falássemos mais rápido e mais facilmente, mas na verdade isso trouxe muito mais desconfiança do que cooperação. O desafio político da comunicação no século XXI é entender como negociar nossas diferenças, agora que sabemos tudo uns dos outros.

Mas, então, qual a verdadeira importância do digital?

A força da internet é permitir o encontro entre indivíduos que estão distantes geograficamente graças à velocidade das redes. Isto é fabuloso. Mas a sua fraqueza é que ela reúne pessoas que já tinham algo em comum. Trata-se de uma mídia comunitária e segmentada, que não resolve a segunda questão da comunicação: a de juntar pessoas quando elas não têm nada para se dizer.

Mídias tradicionais, como TV e jornal, estão defasadas?

Longe disso. As mídias de massa continuam com sua função de reunir milhões de pessoas com interesses diversos. É um desafio democrático que a internet ainda não tem. E, quanto maior o número de internautas, mais a web terá que confrontar as mesmas questões dos veículos generalistas, como adicionar, num mesmo grupo heterogêneo, comunidades distintas.

Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/dominique-wolton-sociologoquando-todos-falam-ninguem-fala-13994845#ixzz3F6J8yGXO