Por Zuenir Ventura - "O Globo" - 12/02/2014
Não foi um acidente, uma fatalidade, um acaso. Foi um atentado. Com tanta
gente àquela hora por ali durante uma manifestação, o rojão aceso disparado do
chão teria que atingir alguém — alguém que estivesse passando, parado ou
trabalhando, como o cinegrafista Santiago Andrade. O acaso foi a forte carga
explosiva estourar “apenas” uma cabeça e não muitas.
Os dois autores sabiam o que estavam fazendo, queriam provavelmente acertar
de preferência um policial, mas também servia outro inimigo, um membro da mídia
tradicional que tanto odeiam. Eles pertencem ao grupo de vândalos e arruaceiros
mascarados — black blocs, anonymous — que se infiltram nas manifestações
populares para promover quebra-quebra de vitrines de lojas e bancos, achando que
assim estão destruindo o capitalismo. Só não esperavam que o ato terrorista de
agora fosse tão documentado por imagens de TV.
Aliás, o tatuador Fábio Raposo, de 22 anos, um reincidente (já foi detido
antes duas vezes por agitação), disse que só se entregou por causa da ampla
divulgação de sua foto, já que seria logo descoberto.
Mesmo orientado pelo advogado de defesa, o seu depoimento decorado foi
marcado por afirmações cínicas, contradições e mentiras, algumas até ingênuas,
como a de que não sabia que o “negócio preto” que pegou no chão era uma bomba e
que não conhecia o colega a quem passou o artefato, embora aparecessem juntos
nas imagens, e cuja identidade ajudou a descobrir: Caio Silva de Souza, de 23
anos.
Na sua comovente despedida do marido, Arlita Andrade apelou para o fim da
violência e lamentou que esses rapazes não tivessem tido os ensinamentos que ela
deu a seus filhos: “O que falta a eles é o amor pelas pessoas.” Ela tem razão.
Eles vão para a rua protestar contra abusos do governo, falam em defesa de
direitos humanos, mas na prática têm solene desprezo pela vida do próximo.
Um desfecho como esse estava mais ou menos previsto, porque, enquanto sempre
se destinou rigor crítico à ação da polícia, tratou-se com muita leniência os
agitadores. Intelectuais apoiaram seus atos sem querer saber a serviço de quê e
de quem agiam, quais os mentores e patrocinadores. Advogados, ONGs e políticos
preferiam dar-lhes cobertura para que não fossem ou ficassem presos quando
flagrados em graves delitos durante os protestos.
Ainda no começo, no dia 22 de junho passado, escrevi aqui que se alguma
providência não fosse tomada com urgência para impedir a infiltração dos
vândalos mascarados as legítimas manifestações populares iam perder o que haviam
conquistado: “o apoio entusiasmado da opinião pública.” Aos que alegavam que os
marginais predadores constituíam uma minoria, foi dito: “mas é uma minoria
disposta a só produzir estragos.” E, como se viu agora, não só estragos, mas
também morte.
Zuenir Ventura é jornalista.
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2014/02/12/o-atentado-por-zuenir-ventura-524017.asp